Desde as civilizações mais adâmicas, um dos elementos característicos do desenvolvimento e formação de sociedades é o conflito. Estes choques passaram a tomar proporções maiores conforme o tempo, forçando a formação de grupos e posteriormente, originando as primeiras sociedades, como os povos mesopotâmicos, considerados os fundadores da ideia de exército, milícia e sociedade. Contudo, todo o ideal de combate seria revolucionado, anos depois, na China.
No século IX, a prática da ciência no mundo, em sua preponderância, era denominada alquimia. Os alquimistas chineses eram estudiosos e praticantes de uma antiga disciplina que combinava química, medicina, filosofia e espiritualidade. Estes cientistas primitivos buscavam desenvolver o elixir da imortalidade e descobrir métodos para mitigar o envelhecimento. Em súmula, crenças que certos minerais e substâncias naturais, se corretamente combinados e processados, poderiam transformar metais comuns em ouro, purificar a alma e conceder a vida eterna.
Em 808, um grupo de alquimistas desconhecido, na tentativa de purificar o nitrato de potássio, misturou partes de enxofre e partes de fluidos como mel e óleo, objetivando aquecer as substâncias, o carvão vegetal foi adicionado à mistura. O resultado do experimento foi inesperado, pois algo que deveria trazer cura, incendiou os corpos e a casa daqueles homens, algo que veio a ser batizado como pólvora negra.
Figura 1 - Primeira tentativa de produzir pólvora
Apesar das consequências fatais experienciadas durante a primeira tentativa, a pólvora continuou a ser usada na China, inicialmente em contextos medicinais e ritualísticos. Seu potencial para criar explosões e sons muito altos, deu origem aos primeiros fogos de artifício. Preliminarmente, pequenos tubos de bambu eram recheados com pólvora e lançados ao fogo para produzir estrondos que, segundo os anciões, afastariam os espíritos malignos.
Figura 2 - Primeiros fogos de artifício
Com o tempo, os artesãos chineses aprimoraram suas técnicas, adicionando diversos tipos de sais para gerar uma variedade de cores e efeitos luminosos. Esses fogos de artifício começaram a ser amplamente utilizados em celebrações e festivais, especialmente durante o Ano Novo Chinês para afastar entidades malignas e trazer sorte.
O domínio do poder das explosões
Após um século do advento da pólvora, sua fórmula foi aperfeiçoada de forma a impressionar e atrair grandes chefes de guerra do imperador. A partir deste momento, o estudo bélico em torno da pólvora começou. A recém descoberta ferramenta passou a ser usada em artefatos como as flechas, criando as flechas ígneas, cujo intento era de atear chamas nos telhados das fortificações inimigas.
Com o passar do tempo, os pirotécnicos chineses começaram os estudos sobre os gases e como estes compostos reagem em relação às modificações da pressão. Em suas observações, perceberam que ao substituir os pedaços ocos de bambu por estruturas mais resistentes, como de bronze ou ferro, mais reagentes poderiam ser postos naquele reservatório, levando a um aumento no poder de fogo destes explosivos. Assim, os chineses da região sul foram os primeiros a desenvolver as “bombas trovão”, que podem ser consideradas os protótipos originais das atuais granadas de fragmentação.
A China, durante o século XI, era um território fragmentado entre três impérios, sendo Jin e Xi Xia do norte e Song do sul. Todas estas invenções eram realizadas em Song, o que fez com que os outros impérios tivessem interesse crescente nas tecnologias desenvolvidas no sul. Isto levou os Impérios do norte a entrarem em conflito com os artesãos pirotécnicos, usurpando suas técnicas de guerra e aprimorando-as.
Somente então no século XII, os ferreiros do Império Jin desenvolveram algo chamado “lança de fogo”, diferenciando-se de uma lança comum pela inserção de um tubo metálico amarrado próximo à lâmina, o qual continha em seu interior pólvora e um pavio, podendo ser acionado por fora do cilindro. Durante este período, o Império da China estava em conflito com o Império Mongol que, ao enfrentar o poderio das bombas, recuou, visando desenvolver algo que mudaria o jogo contra todos seus adversários.
Figura 3 - Protótipo de lança de fogo
A revolução da guerra, as armas de fogo
Em Xanadu, capital do Império Mongol, uma evolução da lança de fogo é feita. Os artesãos mongois concluíram que a pólvora não seria capaz de estourar câmaras de aço. Assim, substituíram a ponta da lança por um reservatório desta liga e conectaram-o a uma haste de madeira curta, formando a primeira arma de fogo da humanidade, o canhão de mão.
Figura 4 - Soldado portando canhão de mão
A disseminação do uso de armas de fogo na Europa começou a partir do século XIII, quando a tecnologia da pólvora e das armas de fogo começou a se espalhar do Oriente para o Ocidente. Este processo foi grandemente acelerado pelos mongois, cujo vasto império conectava a China à Europa através da Rota da Seda. Ao entrarem em contato com diferentes povos e culturas, eles facilitaram a transferência de conhecimento e tecnologia, levando seus conhecimentos para o Oriente Médio e, posteriormente, para a Europa.
Na Europa, a introdução da pólvora e das armas de fogo revolucionou a guerra.No principío , os europeus foram céticos quanto à eficácia dessas novas armas, mas rapidamente reconheceram seu potencial devastador. No início do século XIV, as primeiras armas de fogo, como canhões e arcabuzes, começaram a ser produzidas e utilizadas em confrontos. As muralhas de baluartes chineses podiam chegar a quase 30 metros de espessura, enquanto as paredes da grande Constantinopla tinham apenas 6 metros. Esta diferença entre fortificações fez com que os europeus explorassem muito mais o poder de destruição da pólvora do que o de eliminação de tropas, assim como era feito na antiga China.
Com o tempo, a tecnologia e a fabricação de armas de fogo se aprimoraram, tornando-se uma parte essencial dos arsenais militares europeus. O impacto das armas de fogo foi profundo, alterando não apenas a forma como as guerras eram travadas, mas também contribuindo para o desenvolvimento de destruição em larga escala, a ascensão dos estados-nação modernos e, futuramente, as bombas atômicas, formando uma nova Ordem Mundial, acomodada com as explosões de Tsar que, um dia, foram foguetes que iluminaram o céu em presságio de boa sorte.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[1] Andrade, Tonio; 2016, The Gunpowder Age: China, Military Innovation and the Rise of the West in World History.
[2] Needham, Joseph, 1987, Science and Civilisation in China: Volume 5, Part 7
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