Em um mundo em constante transformação, o ambiente de trabalho emerge como um palco onde as “batalhas” pela saúde são travadas cotidianamente. A pandemia do coronavírus impulsionou uma nova era de reflexões acerca dos impactos psicológicos desencadeados pelo trabalho. Consequentemente, levando ao questionamento: como as adversidades vivenciadas no ambiente de trabalho moldam nossa saúde mental?
No entanto, a psicopatologia laboral, um ramo da psicologia dedicado ao estudo dos fatores estressantes do trabalho, e a síndrome de burnout se destacam, evidenciando os desafios que os indivíduos enfrentam diante do estresse crônico e da pressão ocupacional. No entanto, para além das dinâmicas internas, às normas culturais exercem uma influência significativa, adicionando uma camada complexa a essa narrativa, moldando percepções e abordagens em relação à saúde mental (Christophe, D, 2004).
Nesse sentido, a cultura organizacional e as normas de comportamentos laborais também são influenciadas pela ampla cultura. Em algumas empresas, a pressão para trabalhar por longas horas pode ser valorizada como ponto de dedicação, enquanto em outras, um equilíbrio entre trabalho e vida pessoal é mais encorajado. Promover uma cultura de aceitação e prevenção de problemas de saúde mental no ambiente de trabalho é fundamental para os servidores poderem lidar com o estresse ou pressão nesses ambientes (Christophe, D, 2004).
Desse modo, a obra “Sociedade do cansaço” , um livro do filósofo Byung-Chul Han, traz luz como perspectiva crítica sobre os desafios enfrentados pela sociedade contemporânea. Han destaca que vivemos em um contexto de excesso de informações e estímulos, alimentados pela tecnologia digital, resultando em uma sobrecarga mental e exaustão. Contudo, o teórico ressalta que o crescente individualismo e a busca incessante pela auto-otimização levam a uma pressão implacável para atingir metas pessoais, muitas vezes às custas do bem-estar mental (Han, B, 2015).
Figura 1
O desempenho é uma medida central de valor, e as pessoas são constantemente avaliadas com base em seu sucesso e produtividade, influenciando, consequentemente, a ansiedade. Este foco excessivo em si pode resultar na eliminação da empatia e na negligência das necessidades alheias, contribuindo para a perda da conexão humana. Além disso, o pensador frisa que a busca incessante pela felicidade pode acarretar a “depressão da alegria”, onde a constante pressão para ser feliz acarreta uma sensação de vazio e desilusão quando a meta não é bem-sucedida (Han, B, 2015)
O esgotamento e o burnout são consequências diretas desse ambiente de constante demanda e autoexigência. As pessoas trabalham cada vez mais, muitas vezes sem tempo para descanso ou lazer adequado, o que tornam mais graves os problemas de saúde mental. A sociedade do cansaço representa assim uma mudança significativa em relação às estruturas disciplinares do passado, onde o controle era exercido por instituições externas, enquanto agora o autocontrole e a alta pressão desempenham papéis de poder. A sociedade do cansaço é um retrato contundente da realidade contemporânea, onde o culto ao desempenho leva ao esgotamento psíquico.
Conforme uma pesquisa realizada por estudantes em uma instituição pública de ensino em Campos dos Goytacazes revelou que o estado de bem-estar mental dos profissionais investigados estava em uma condição precária. O estudo tinha como objetivo analisar o bem-estar mental dos educadores atuantes nessa instituição. Os resultados obtidos apontaram uma situação preocupante em relação à saúde mental desses profissionais, evidenciando a necessidade urgente de medidas estratégicas de intervenção (Azevedo, A; et al, 2023).
Conforme indicado pela pesquisa, o público feminino teve mais relevância. Este cenário sucinta uma problemática adicional ao tema em discussão. O predomínio do público feminino na audiência desta pesquisa considera questões relacionadas à influência sócio-histórica do patriarcalismo, que se manifesta de variadas maneiras em nossa sociedade. Das dinâmicas sociais até as normas de gênero, o sistema patriarcalista ainda permeia seus efeitos até a época contemporânea. Essas influências refletem na participação e na representação da população do gênero feminino na área da educação. Portanto, identificar e compreender esses padrões é crucial para a promoção de ambientes equitativos, reconhecendo as problemáticas específicas enfrentadas em decorrência desse sistema opressor, que sofre alterações mediante outros sistemas estruturais como o racismo (Azevedo, A; et al, 2023).
Os indicadores de esgotamento profissional, sendo correspondidos pela maioria do público do gênero feminino, abrangem manifestações de acordo com cada perfil psicossocial — bagagens psicológicas e sociais de cada ser —. Não limitando a análise somente a exaustão física e emocional, corrobora também a desmotivação no ambiente de trabalho, a redução da capacidade de lidar com o estresse e um declínio geral no bem-estar psicológico. À luz dessas descobertas, torna-se, portanto, imperativo a implementação de estratégias que não venham abranger apenas o estudo de caso pautado, mas a todos os profissionais que estão sob esse sistema laboral opressor (Azevedo, A; et al, 2023).
No âmbito econômico, políticas governamentais corroboram para o aumento das regras que permeiam os ambientes laborais. Tais regras como aquelas relacionadas à flexibilização das leis trabalhistas, à terceirização e à precarização do emprego, podem resultar em condições de trabalho desfavoráveis e inseguras. Isso pode levar a um aumento significativo da pressão sobre os trabalhadores para manterem seus empregos e garantirem sua subsistência, contribuindo assim para o estresse, a ansiedade e o esgotamento mental.
Além disso, segundo uma pesquisa do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora, as desigualdades socioeconômicas e a falta de acesso a recursos básicos para a vida criam ambientes propícios ao surgimento de problemas de saúde. Indivíduos que enfrentam dificuldades financeiras podem experimentar níveis mais altos de estresse e ansiedade devido à incerteza em relação ao futuro e à impossibilidade de atender às suas necessidades básicas. Tais problemáticas influenciam para o surgimento de doenças, principalmente as ocasionadas pelo sofrimento mental, as quais refletem em problemas de saúde físicos. As políticas públicas relacionadas à saúde mental muitas vezes são negligenciadas ou sub financiadas, resultando em uma falta de acesso a serviços de qualidade. Isso pode agravar os problemas de saúde e criar barreiras adicionais ao tratamento e apoio adequados (Santos, José, 2018).
A pesquisa em análise revela os impactos do esgotamento profissional nos profissionais em destaque, destacando os efeitos colaterais. Partindo de uma base que inclui os principais sinais e sintomas da Síndrome de Burnout, conforme listados pelo Ministério da Saúde, a exaustão física e emocional emergem como temas centrais de discussão. Aprofundando a análise, surge o argumento de que esses profissionais enfrentam uma carga de trabalho multifacetada. Por exemplo, os profissionais docentes, majoritários conforme demonstrado na pesquisa, precisam lidar com diversas responsabilidades, como preparar aulas, corrigir provas, buscar aprimoramento profissional em cursos ou palestras, além de muitas vezes terem que dividir sua jornada entre duas ou até três escolas para garantir seu sustento (Azevedo, A; et al, 2023).
Diante dessas demandas exaustivas, surge a pertinente questão: como esses profissionais conseguem manter sua saúde mental em meio a tantas responsabilidades? A resposta envolve uma análise cuidadosa dos recursos disponíveis para apoiá-los, tanto institucionalmente quanto individualmente. Estratégias de autocuidado, apoio emocional e programas de gerenciamento de estresse podem desempenhar um papel crucial na promoção do bem-estar desses profissionais. Além disso, é essencial reconhecer e abordar as questões estruturais que contribuem para o aumento do estresse e do esgotamento entre os profissionais da educação, como sobrecarga de trabalho, falta de recursos adequados e baixo reconhecimento profissional. Ao enfrentar esses desafios de frente e implementar medidas eficazes de apoio, influenciam para garantir que os profissionais da educação possam desempenhar seu papel vital na sociedade de maneira saudável. O gráfico a seguir ilustra os principais fatores estressores do trabalho identificados nesta pesquisa:
Gráfico 1 – Indicadores dos efeitos colaterais causados pelo esgotamento profissional:
Fonte: produzido pelo autor.
Portanto, diante dos complexos cenários de trabalho que não contribuem para o bem-estar mental, se torna uma necessidade premente a tomada de abordagens holísticas. A pesquisa em análise revelou não apenas os impactos devastadores do esgotamento profissional, mas também ressaltou a importância de reconhecer e enfrentar as influências estruturais que perpetuam essas problemáticas. Ademais, é necessário que empresas e órgãos estatais atentem para esta problemática não apenas neste estudo de caso, o qual é mais um que evidencia as condições insalubres que os trabalhadores enfrentam. Todavia, equilibrar a vida pessoal e profissional com um foco programático claro auxilia na manutenção da coesão e direção do nosso estado mental.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
AZEVEDO, A; LOUREIRO, K; BARBOSA, L; COSTA, M; CARMO, P; SANTOS, R; DELGADO, V. Saúde Mental, Trabalho e Adoecimento. 35ª feira de Informação e Orientação profissional, 2023. Disponível em: https://sites.google.com/view/smtaetejbm/in%C3%Adcio. Acesso em 26 de Fev de 2024.
HAN, Byung-Chul. Sociedade do Cansaço. Rio de Janeiro: Vozes, 2015. 1ª Reimpressão. ISBN 978-85-326-4996-6.
CHRISTOPHE, D. Da Psicopatologia à Psicodinâmica do Trabalho. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2004. 346 pp. ISBN: 85-7541-044.
SANTOS, José. Classe Social, Território e Desigualdade de Saúde no Brasil. Saúde e Sociedade, 2018, v. 27, n. 2. pp. 556-572. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-12902018170889. Acesso em 29 de Fev 2024. ISSN 1984-0470.