Kant, a verdadeira liberdade e a vontade de viver.

Quando se pergunta o que é liberdade, muitas pessoas dirão que ser livre significa simplesmente poder ser, fazer e estar onde se deseja, quando se deseja. Mas, para Immanuel Kant, a liberdade verdadeira vai além disso. Para ele, a verdadeira liberdade é fazer aquilo que não se quer, pois, caso contrário, estaríamos apenas à mercê dos desejos, e portanto, seríamos escravos deles.

Mas o que Kant quis dizer com isso? Qual seria a liberdade em realizar algo que não se deseja? A resposta é simultaneamente simples e complexa. Para Kant, a liberdade está diretamente ligada à autonomia, ou seja, à capacidade de, por conta própria, usar a razão para tomar decisões. Esse conceito é interessante justamente porque vai confrontar nossa própria biologia.

A história humana ilustra esse conflito: há cerca de 51 mil anos, surgiram as primeiras pinturas rupestres, um dos indícios mais antigos do desenvolvimento da racionalidade humana. No entanto, antes disso, por aproximadamente 150 mil anos, os seres humanos viveram de maneira predominantemente instintiva, como outros animais, movidos apenas por estímulos do ambiente. Esse comportamento irracional permanece em nós de várias formas, uma delas sendo a resposta à dopamina, um neurotransmissor ligado ao prazer e à recompensa.

Para muitos animais, a associação entre ação e recompensa é essencial para a sobrevivência. Um cão, por exemplo, repete ações que agradam seu tutor porque seu cérebro é estimulado com dopamina, reforçando o comportamento. O mesmo acontece conosco. Lembra-se da primeira vez que comeu o seu hambúrguer favorito? Esse prazer inicial atingiu seu sistema de recompensa e liberou dopamina, gerando o desejo de repetir a experiência. Nessa hora, seu córtex pré-frontal (responsável pela tomada de decisões) disputa com o sistema tegmental ventral (focado no prazer) para decidir o que fazer.

Se o desejo vence, seu cérebro interpreta isso como uma permissão para continuar buscando o prazer imediato, e o desejo pelo hambúrguer pode se tornar mais frequente. Mas, com o tempo, cada hambúrguer parece menos gostoso do que o anterior. Ao resistir ao impulso de seguir esse desejo, você é capaz de procurar alternativas de prazer mais saudáveis e sustentáveis, como uma atividade física ou uma refeição menos processada. Você não deixa de gostar de hambúrgueres, mas aprende que há outros modos de se satisfazer.

É exatamente essa bandeira que Kant levanta. Para ele, se seguimos apenas os desejos imediatos, nos tornamos "cascas vazias", viciadas em estímulos. Esse ciclo de busca desenfreada por dopamina leva ao esgotamento do prazer e da motivação, até que nada mais parece satisfazer.

Assim, Kant nos convida a transcender os impulsos e encontrar a liberdade verdadeira na capacidade de decidir racionalmente, sem sermos prisioneiros dos desejos. Em um mundo movido pela busca constante de prazer imediato, essa visão continua sendo uma reflexão profunda sobre o que significa ser verdadeiramente livre.

REFERÊNCIAS BIBLIOGÁFICAS

[1] G. Como funciona o sistema de recompensa do cérebro e por que ele mexe tanto com sua vida. Disponível em:https://g1.globo.com/ciencia-e-saude/viva-voce/noticia/2019/07/28/como-funciona-o-sis.

[2] GHOSH, P. A fascinante descoberta das pinturas rupestres mais antigas do mundo. Disponível em:https://www.bbc.com/portuguese/articles/clwy49yvn3no#:~:text=O%20exemplo%20mai.

[3] SUZUKI, S. Dopamina: por que busca desenfreada por estímulos pode tirar satisfação da vida. Disponível em:https://www.bbc.com/portuguese/internacional-61303597.

[4] Como funciona o sistema de recompensa do cérebro e por que ele mexe tanto com sua vida. Disponível em:https://g1.globo.com/ciencia-e-saude/viva-voce/noticia/2019/07/28/como-funcion.

[5] GHOSH, P. Arte rupestre: a fascinante descoberta das pinturas mais antigas do mundo. BBC, 4 Jul. 2024.

[6] SUZUKI, S. Dopamina: por que busca desenfreada por estímulos pode tirar satisfação da vida. BBC, 9 May 2022.