Como um grão de combustível gera impulso em um foguete a partir de sua oxidação?
Estrutura interna de um foguete híbrido
Um dos experimentos mais conhecidos pelos jovens é, sem dúvidas, o de juntar Coca-Cola e Mentos e observar a garrafa do refrigerante voando bem alto ao posicioná-la com a sua tampa direcionada ao chão. Contanto que se tome cuidado ao realizá-la, essa experiência é um exemplo clássico de propulsão.
De forma geral, propulsão significa mover-se para frente ou levar um objeto para frente. Um sistema de propulsão seria, portanto, uma máquina que causa impulso para realizar esse movimento. Em termos físicos, o impulso é originado em virtude da Terceira Lei de Newton (Lei da Ação e Reação), que diz que:
“A toda ação há sempre uma reação oposta e de igual intensidade: as ações mútuas de dois corpos um sobre o outro são sempre iguais e dirigidas em sentidos opostos.” (Isaac Newton, 1687 – traduzida do latim).
Exemplo da Lei de Ação e Reação
Exemplificação do experimento da bexiga
Para que se tenha o tão desejado impulso, o fluido de trabalho – isto é, um gás ou líquido que transfere principalmente força, movimento ou energia mecânica – é acelerado por um motor. A reação dessa aceleração é justamente produzir força no motor utilizado.
Segundo uma derivação da equação do impulso, que seria a variação da Quantidade de Movimento (I) , temos que a quantidade de impulso criada depende do fluxo de massa no motor e a velocidade de saída do gás (II), já que a Quantidade de Movimento é o produto da massa pela velocidade dele.
(I)
(II)
Considerando os diferentes métodos de propulsão, o tipo de motor utilizado varia dependendo da aplicação do sistema. Dentre os motores de foguete, há dois tipos principais: o motor elétrico e o motor químico.
No entanto, por que realmente há essa divisão de motores? Ao levar em conta a Primeira Lei de Newton, que diz que um objeto em repouso (parado) ou em movimento retilíneo uniforme (com velocidade constante) tende a permanecer nesse estado se a força resultante sobre ele é nula, percebe-se que um sistema de propulsão de foguete deve atingir dois objetivos:
O impulso do sistema de propulsão deve balancear o foguete, considerando a resistência do ar durante o voo (na atmosfera terrestre);
O impulso do sistema de propulsão deve exceder a resistência do ar para que o foguete possa acelerar. Quanto maior a diferença entre o impulso e a resistência do ar, mais rápido o foguete ficará.
Enquanto motores elétricos são eficientes quanto a economia de combustível, eles promovem um impulso muito pequeno, e, por isso, são usados em missões supraorbitais, ou seja, acima da órbita terrestre. Para lançamentos que envolvem pesos maiores – sendo portanto a massa do objeto vezes a gravidade da Terra, que é aproximadamente 10m/s^2 -, um recurso utilizado é o foguete químico, que pode ser um sistema sólido ou líquido.
Em motores químicos, no mínimo duas substâncias – que são o combustível e um oxidante - devem ser misturadas de formas específicas dependendo do tipo de propulsor. A energia química associada a partir da combinação desses dois elementos é transferida para os produtos gasosos, que passam a ser expandidos por um bocal (adaptador). Essa expansão produz o impulso necessário para o veículo ligado ao motor. Há três tipos de combustíveis para foguetes dependendo dos requerimentos das missões espaciais: sólido, líquido e híbrido.
Um motor de foguete a combustível sólido consta de um revestimento aerodinâmico em sua extremidade, a tubeira, a carga do propulsor (grão) e o dispositivo de ignição. O grão se comporta como uma massa sólida a qual queima e produz gases de combustão. As dimensões da tubeira são calculadas para manter uma pressão de câmara prevista, enquanto produz o empuxo com os gases de combustão. Uma vez acendido, um motor simples de um foguete sólido não se pode apagar, porque contém todos os ingredientes necessários para a combustão dentro da câmara na qual está queimando. Os motores mais avançados de foguetes sólidos não só podem ser regulados, mas também podem ser apagados e logo reiniciados, controlando a geometria da tubeira ou mediante o uso de comportas de ventilação. Além disso, estão disponíveis motores de foguetes pulsados que queimam em segmentos e que podem ser acendidos com instruções.
Motor de foguete sólido
Um foguete com combustível líquido ou um foguete líquido utiliza um motor com propelente nesse estado físico. Os líquidos são desejáveis porque possuem uma densidade razoavelmente alta e um impulso específico alto (Isp). Isso permite que o volume dos tanques de propelente seja relativamente baixo. Também é possível usar centrífugas leves para bombear o propelente dos tanques para a câmara de combustão, o que significa que os propelentes podem ser mantidos sob baixa pressão. Isso permite o uso de tanques de propulsão de baixa massa, resultando em uma alta razão de massa para o foguete.
Às vezes, um gás inerte armazenado em um tanque em alta pressão é usado em vez de bombas em pequenos motores mais simples para forçar os propelentes para a câmara de combustão. Esses motores podem ter uma taxa de massa mais baixa, mas geralmente são mais confiáveis e, portanto, são amplamente utilizados em satélites para manutenção em órbita.
Foguetes líquidos podem ser foguetes monopropelentes - usando um único tipo de propelente - ou foguetes bipropelentes - usando dois tipos. Foguete tripropulsor - usando três tipos de propelentes - são raros. Alguns projetos são throttleable para operação de empuxo variável e alguns podem ser reiniciados após um desligamento anterior no espaço. Propelentes líquidos também são usados em foguetes híbridos, com algumas das vantagens de um foguete sólido.
Diagrama simplificado do combustível líquido do foguete.
1. Combustível do foguete .
2. Oxidante.
3. As bombas transportam o combustível e o oxidante.
4. A Câmara de combustão mistura e queima os dois líquidos.
5. O escapamento quente é sufocado pela garganta, o que entre outras coisas, determina a quantidade de impulso produzido.
6. O escape sai do foguete.
O foguete híbrido utiliza tanto um sólido quanto um líquido como propulsores. No clássico foguete híbrido, o combustível é o sólido e o oxidante é o líquido. Importante ressaltar que oxidante é um material que libera oxigênio rapidamente para sustentar a combustão dos materiais orgânicos. Apesar de que existam componentes comuns dos combustíveis sólido e líquido no combustível híbrido, o seu processo de formação do impulso é diferente. Em um foguete sólido, o oxidante e o combustível estão intimamente ligados em uma única fase sólida e a combustão ocorre quando a superfície exposta é aquecida pela chama da combustão até uma temperatura de ignição (ato de queimar). Já em um foguete com combustível líquido, o oxidante e o combustível estão misturados na proximidade do injetor de um foguete (III) a fim de formar uma mistura comburente. Portanto, nos dois casos, há uma mistura uniforme de oxidante e combustível na câmara de combustão.
(III)
No entanto, o combustível híbrido queima, transformando-se em uma chama de difusão turbulenta e macroscópica. Além disso, a razão do oxidante com o combustível (“O/F”, sendo fuel (F) combustível em inglês) varia com o comprimento da câmara. Essa chama acaba num momento o qual define a eficiência do motor. Um modelo básico de motor híbrido pode ser definido como uma câmara cilíndrica porosa, que possui uma extremidade de cabeça permeável e outra totalmente aberta (IV).
(IV)
No foguete híbrido, um oxidante gasoso ou liquído – ou ainda o próprio combustível – é armazenado em um tanque isolado. O grão de combustível é colocado dentro da câmara de impulso, estendida entre um injetor e um bocal (nozzle em inglês). Esse grão é esvaziado para produzir combustão. Quando o oxidante é injetado na câmara com um alto fluxo de massa e pressão, reações se iniciam em uma camada fina logo acima da superfície do combustível. Consequentemente, haverá um aumento na temperatura de combustão, o que ajuda a manter a vaporização do combustível sólido.
A chama de difusão é parecida com uma vela: enquanto a combustão dos gases provoca uma camada fina de combustível vaporizar, o oxidante e as partículas de combustível reagem ao longo da parte exposta em várias zonas as quais sofrem redução de combustível. Os gases de reação passam pela parte de combustão e expandem-se pelo bocal. A partir da medição do oxidante, a produção de gases de escape e o seu impulso correspondente podem ser modulados. Isso proporciona capacidades aos foguetes híbridos de throttling (“estrangulamento”) e de reinício do processo.
Por outro lado, os foguetes híbridos apresentam menores eficiências em relação à combustão e estão mais suscetíveis a flutuações em impulsos específicos. Esses fatores se devem à mistura incompleta na área ativa de combustão e à presença de lascas de resíduos no esgotamento do propulsor. Não obstante essas desvantagens, o impulso específico é afetado fracamente.
Há diversas vantagens de se usar um foguete híbrido: eles possuem uma eficiência muito parecida com a de um combustível líquido, porém utilizam metade do encanamento usual. Por conseguinte, há uma redução considerável na quantidade de peças do motor, assim também tendo uma redução no custo da máquina.
Comparando-os com sólidos, os foguetes híbridos são mais seguros de serem feitos e armazenados, afetam menos o meio-ambiente, e o grão de combustível, em inércia, é mais resiliente e, portanto, é de mais confiança do que um propulsor sólido. Em contrapartida, quando se compara o foguete híbrido com um foguete o qual usa combustível líquido, o grão parcialmente sólido do híbrido oferece vantagens de carregamento volumétrico sobre a tancagem necessária para líquidos.
Foguetes com combustíveis sólidos e líquidos
O foguete híbrido pode ser utilizado em praticamente todas as aplicações nas quais foguetes são usados. Isso devido à versatilidade dos propulsores disponíveis, a grande variedade de capacidade de performance e a flexibilidade do impulso. Contudo, as aplicações as quais o uso de foguete híbrido é a melhor opção são:
Foguetes de sondagem: Foguete usado como meio de transporte de instrumentos concebidos para efetuar medições e realizar experimentos científicos durante o voo sub-orbital.
Unidade auxiliar de energia: Equipamento externo que se acopla na aeronave através de um cabo elétrico de um plugue e uma tomada presente no avião com a finalidade de fornecer energia elétrica para a aeronave quando está em solo.
Foguetes Táticos: Se um envelope compacto não for muito restritivo, o híbrido é ideal porque sua capacidade de estrangulamento (gerenciamento de energia) é uma vantagem significativa. Estrangulamento envolvendo capacidade de impulso e sustentação sob demanda são características desejáveis que não são facilmente alcançáveis com motores sólidos.
Motores Espaciais: As características híbridas de estrangulamento e parada/reinicialização são particularmente desejáveis para fornecer uma fase de inércia ou terminação de empuxo para a velocidade final extra em órbita. Isso permite que o híbrido execute a função dupla para incremento de velocidade e inserção de órbita.
A estabilidade da combustão é indiscutivelmente um dos aspectos mais importantes e difíceis do desenvolvimento de um novo sistema de propulsão química. Foguetes híbridos certamente não são uma exceção a essa generalização. Existe uma série de fenômenos transitórios que ocorrem durante o curso da operação do motor os quais podem potencialmente se acoplar para resultar em crescentes oscilações de pressão da câmara. Portanto, a compreensão das características de combustão transitória de um foguete híbrido é essencial para prever seu comportamento de estabilidade.
Atualmente não existem métodos universalmente aceitos para eliminar o problema da combustão oscilatória em foguetes híbridos. Felizmente, as oscilações de pressão da câmara de combustão observadas em sistemas híbridos são limitadas em amplitude a níveis tipicamente inferiores a 50-60% da pressão média.
Nesse sentido, diferentemente das instabilidades motoras sólidas, os mecanismos híbridos de instabilidade normalmente não são capazes de produzir oscilações de grande amplitude, limitando a possibilidade de consequências catastróficas, como a falha estrutural da carcaça do motor. Isso é provavelmente devido à falta de um mecanismo de feedback forte que existe no caso de foguetes de propelente sólido, que é induzido pela taxa de regressão dependente da pressão. No entanto, a combustão oscilatória observada em híbridos ainda pode gerar taxas de queima imprevisivelmente altas, pode introduzir excesso de carga estrutural/térmica e também pode resultar em grandes oscilações de empuxo.
Transientes são definidos por surtos de tensão elétrica que ocorrem em um intervalo de tempo muito pequeno. Alguns desses transientes, como a ignição e o impulso, são inevitáveis. Outros são impostos dependendo dos requerimentos da missão, como o throttling (estrangulamento). Também há instabilidades indesejáveis que ocorrem durante o processo.
As técnicas usadas para a ignição de foguetes híbridos são baseadas no aquecimento do fluxo do oxidante em virtude de uma fonte de calor de curta duração, como uma faísca de um combustível gasoso.
Durante esse transiente, a primeira ignição ocorre na porção traseira do grão de combustível. Com o passar do tempo, a chama move-se para ocupar o espaço restante do grão, atingindo sua configuração de estado estacionário. No processo de ignição, os gases de combustão que saem do motor são ricos em oxidante, aproximando-se da razão oxidante/combustível em estado estacionário (O/F) no final do transiente. Por outro lado, o o O/F em um transiente convencional de um propelente sólido é constante.
As maiores defasagens de tempo nesse processo são aquelas que estabelecem a camada limite de combustão e o atraso térmico no combustível sólido. Assim, observa-se que o intervalo de tempo necessário para estabelecer um estado estacionário no motor híbrido é maior do que no foguete sólido.
Explicando melhor o processo de Throttling (“estrangulamento”)
Em um sistema híbrido, o estrangulamento é alcançado a partir da mudança da taxa de fluxo do oxidante. O estado estacionário correspondente a cada vazão define uma nova taxa de regressão com base na Lei da Taxa de Regressão. Durante esse evento, as distribuições de velocidade, temperatura e densidade do gás na câmara de combustão híbrida e o contorno térmico no combustível sólido requerem um tempo de atraso para se reajustarem ao novo equilíbrio. É claro que uma compreensão quantitativa desse atraso é importante para o gerenciamento previsível do impulso e a manobra do veículo.
Explicando melhor o processo de Terminação do Impulso
Durante o desligamento, o tempo de resposta é basicamente o tempo de esvaziamento característico do motor. Durante esse relaxamento, o calor acumulado no sólido é lentamente transferido para a superfície, levando ocasionalmente a uma maior vaporização ou “chuffing”, que, no ambiente espacial rarefeito, pode contribuir com um pequeno impulso adicional. O tempo de relaxamento é geralmente maior que o tempo de esvaziamento e, portanto, controla o impulso de desligamento. A compreensão e a capacidade de especificar esse impulso no desligamento são importantes para o controle preciso da velocidade do veículo.
Com o objetivo de estimular futuras pesquisas em propulsão de foguetes híbridos, há nove grandes desafios para aprimorar o funcionamento desse sistema: o desenvolvimento de combustíveis sólidos energéticos e oxidantes e aumento das taxas de regressão de combustível sólido, medição da taxa de regressão de combustível sólido em função das condições de operação, desenvolvimento de correlação para taxas de regressão de combustível sólido, supressão de instabilidades de combustão, melhoria da eficiência de combustão e utilização de combustível/oxidante, considerações de desenvolvimento da Lei de Escala, minimização da erosão do bocal, desenvolvimento de modelos abrangentes e códigos numéricos e considerações de projeto de sistema de propulsão especial.
Referências:
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