Fenômenos extremos são eventos climáticos ou meteorológicos raros que ultrapassam os limites do comportamento climático usual de uma região. Em áreas áridas, como desertos, conhecidas pela escassez de chuvas e temperaturas extremas, esses eventos podem ter impactos significativos no ambiente. De forma geral, esses fenômenos são caracterizados por desvios substanciais das condições médias esperadas e, em regiões áridas, sua ocorrência pode ser ainda mais devastadora devido à vulnerabilidade desses ambientes. Exemplos disso são o raro registro de neve no deserto da Arábia Saudita e as inundações no deserto do Saara, que evidenciam a crescente imprevisibilidade climática.
Entre os principais exemplos de fenômenos extremos em regiões áridas, destacam-se a ocorrência de neve e gelo, inundações relâmpago, tempestades severas e outras anomalias climáticas raras. Neve e gelo, por exemplo, são fenômenos incomuns em ambientes secos, mas podem ocorrer em casos de incursões de massas de ar frio, causando impactos tanto nos ecossistemas quanto na mobilidade humana. As inundações relâmpago, por sua vez, são frequentes após chuvas intensas e curtas, pois os solos áridos geralmente têm baixa capacidade de absorção, resultando em erosão severa e danos à infraestrutura local.
Outro fenômeno extremo comum em regiões áridas são as tempestades severas, que incluem tempestades de areia e poeira. Essas tempestades, frequentemente exacerbadas por mudanças climáticas, reduzem a visibilidade, afetando assim, monitoramentos e outros meios de vistoria constantes. Além disso, outras anomalias climáticas raras, como granizo e oscilações incomuns de temperatura, podem ocorrer.
Diversos fatores contribuem para a ocorrência de fenômenos extremos em regiões desérticas. As mudanças climáticas desempenham um papel central, aumentando tanto a frequência quanto a gravidade desses eventos. Seus efeitos são amplos e incluem danos ambientais, como prejuízos à biodiversidade local, a alteração de ecossistemas frágeis e o aumento do risco de desertificação.
A neve no deserto da Arábia Saudita (Aproximadamente 2.600.000 km²) é um fenômeno incomum, mas que tem ocorrido ocasionalmente nas últimas décadas, como resultado de massas de ar polar que alcançam a região durante o inverno. Essa ocorrência surpreende por contrastar com o clima árido, caracterizado por altas temperaturas durante o dia e noites frias, mas sem registros típicos de precipitações invernais como a neve. Quando acontece, a paisagem do deserto é temporariamente transformada, impactando não apenas a fauna e a flora adaptadas a condições extremas de calor, mas também as atividades humanas locais, como a agricultura e o turismo.
Por outro lado, as inundações no deserto do Saara (Aproximadamente 9.000.000 km²), como as registradas em algumas regiões devido a chuvas intensas, são igualmente impressionantes. Em um ambiente onde o solo é altamente compacto e seco, a capacidade de absorção de água é mínima, o qual a maior parte da água precipitada é facilmente evaporada, por exemplo, por meio do processo de evapotranspiração, resultando em enchentes relâmpago que podem causar erosão severa, perda de vegetação e danos às comunidades que dependem de recursos escassos. Esses eventos desafiam a percepção de que o Saara é completamente árido e inalterável, mostrando como os padrões climáticos globais estão se tornando mais imprevisíveis e comprovando sua ampla variação de temperaturas.
Ambas as ocorrências estão diretamente relacionadas às mudanças climáticas, que alteram a circulação atmosférica e intensificam eventos extremos em diversas partes do mundo. A urbanização, o desmatamento e a degradação ambiental também contribuem para reduzir a resiliência desses ecossistemas, agravando os impactos. Enquanto a neve pode ser vista como um evento temporário e visualmente marcante, as inundações representam uma ameaça, exigindo respostas rápidas e medidas de adaptação eficazes.
Esses eventos extremos levantam uma questão importante, será que estamos diante de uma anomalia temporária ou de um novo padrão climático? Esses eventos, embora raros, estão se tornando mais frequentes e intensos, o que pode indicar alterações significativas no equilíbrio climático global. Por um lado, podem ser interpretados como eventos isolados, resultado de condições específicas e incomuns. Por outro, o aumento da sua frequência pode apontar para mudanças mais profundas, como a reorganização dos sistemas atmosféricos.
Quando o “Impossível” Acontece: Chuvas no Saara
Você já imaginou lagoas se formando no meio do deserto? As chuvas recentes que surpreenderam o deserto do Saara levantaram uma série de questões sobre o comportamento climático na região.
Anita Drumond, pesquisadora do GrEC (Grupo de Estudos Climáticos), em conjunto com a professora Rosmeri Porfirio da Rocha, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG), ambos da Universidade de São Paulo, esclarece em uma entrevista para a Rádio da USP que, embora a causa exata dessas precipitações não tenha sido totalmente compreendida, algumas pistas podem estar relacionadas ao aquecimento das águas oceânicas, que redistribui energia térmica, alterando padrões climáticos. e a um ciclone extratropical que fez chover na região o equivalente a mais de um ano em poucos dias. Segundo elas, esse fenômeno pode ter alterado a posição da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), uma região de chuvas concentradas próxima à linha do Equador influenciada pela circulação atmosférica global.
Tradicionalmente, o Saara é caracterizado por altas pressões e movimento descendente do ar, condições que inibem a formação de nuvens e chuvas. No entanto, em agosto de 2024, as temperaturas da superfície do mar no Atlântico Norte, no Mediterrâneo e na costa da Guiné estavam mais quentes, o que fez com que a ZCIT se deslocasse cerca de 200 a 300 quilômetros ao norte. Além disso, Anita explica que, associado às chuvas, houve mudanças nos ventos e as pressões em superfície ficaram mais baixas do que o normal no norte da África.
"Isso resultou em precipitações mensais superiores a 100 milímetros em regiões onde normalmente chove menos de 10 milímetros ao longo de um ano", explica Rosmeri para a Rádio da USP. "Essas alterações na pressão atmosférica e nos ventos favoreceram a incursão de um ciclone extratropical proveniente do Atlântico Norte entre os dias 7 e 9 de setembro, o qual gerou precipitações diárias entre 100 e 200 milímetros em diversas áreas do norte da África. [...] Embora a chuva em uma região desértica possa ser considerada benéfica, eventos de chuva extrema podem causar impactos negativos significativos, como observado no caso de Marrocos, onde várias vidas foram perdidas. Os cenários de mudanças climáticas projetados pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) apontam para um aumento na frequência de eventos extremos em várias partes do mundo, incluindo o deserto do Saara."
Figura 3 - A raridade de chuvas no Saara é explicada pela predominância de altas pressões em superfície e baixos níveis de umidade, que limitam a formação de nuvens. Foto: Reprodução/Rádio BandNews FM – Youtube
Neve no deserto?
Granizo no deserto da Arábia Saudita? No dia 3 de novembro de 2024, uma impressionante chuva de granizo cobriu partes do deserto. A tempestade foi causada por um sistema de baixa pressão vindo do Mar da Arábia, que trouxe umidade suficiente para formar nuvens de tempestade em um ambiente normalmente caracterizado por calor extremo e aridez. Isso resultou em chuvas intensas, ventos fortes e granizo de pequeno a médio porte. A ocorrência foi tão intensa que rios temporários se formaram no deserto, uma visão rara em uma das regiões mais secas do mundo.
Especialistas do Centro Nacional de Meteorologia da Arábia Saudita explicaram que eventos como este, embora raros, estão se tornando mais possíveis devido às mudanças climáticas e à maior variabilidade nos padrões meteorológicos globais. Além disso, o contraste entre o calor do deserto e as massas de ar frio das tempestades facilita a formação de granizo em altitudes mais elevadas, mesmo em locais com temperaturas elevadas durante o dia.
Esse episódio destaca a crescente frequência de eventos climáticos extremos, levantando questões sobre o impacto do aquecimento global em áreas desérticas e a possibilidade de novas dinâmicas climáticas emergirem em regiões tradicionalmente estáveis.
Os Fenômenos são Anomalias Temporárias ou Indicativos de Tendências Climáticas?
Os recentes fenômenos extremos em regiões áridas, como a neve no deserto da Arábia Saudita e as inundações no Saara, são um alerta importante. Esses eventos, antes vistos como anomalias temporárias, agora indicam mudanças climáticas mais profundas. É crucial que governos e comunidades adotem medidas para mitigar os impactos das mudanças climáticas, preservando ecossistemas frágeis e assegurando recursos para populações vulneráveis.
Esses fatores, combinados com a alta variabilidade climática observada nos últimos anos, reforçam a ideia de que esses eventos extremos são indicativos de tendências climáticas de longo prazo, em vez de anomalias isoladas. As projeções futuras indicam que os fenômenos extremos continuarão a aumentar em frequência e intensidade nas próximas décadas. Modelos climáticos mais recentes preveem um aumento contínuo da temperatura global, com mudanças significativas nos regimes de precipitação e circulação atmosférica, que influenciarão a ocorrência de eventos extremos em desertos. Estudos do IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change) destacam que, para um cenário de alta emissão de gases de efeito estufa, eventos como chuvas intensas e tempestades de granizo em desertos se tornarão comuns nos próximos 50-100 anos. Isso pode levar a mudanças na vegetação local, erosão de solos, salinização e um aumento no risco de desertificação em muitas partes do mundo.
Ou seja, enquanto os fenômenos extremos como a neve e as inundações nos desertos podem ser vistos como anomalias temporárias no curto prazo, há uma crescente evidência de que esses eventos são indicadores de mudanças climáticas mais amplas e de longo prazo que estão moldando o nosso clima global. As próximas décadas serão cruciais para entender a dinâmica dessas mudanças e implementar medidas eficazes para mitigar seus impactos ambientais e humanos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[1] DESERTO saudita fica coberto de neve pela primeira vez na história. Terra, 2024. Disponível em: https://www.terra.com.br/planeta/deserto-saudita-fica-coberto-de-neve-pela-primeira-vez-na-historia,1fa5b62c3b8d08fb3639c97487e79062bzpum5ub.html?utm_source=clipboard.
[2] CHUVAS no Saara mostram um futuro incerto dos eventos climáticos no planeta. Jornal da USP, 2024. Disponível em: https://jornal.usp.br/radio-usp/chuvas-no-saara-mostram-um-futuro-incerto-dos-eventos-climaticos-no-planeta/.
[3] Deserto. Mundo Educação, 2024. Disponível em: https://mundoeducacao.uol.com.br/geografia/deserto.htm.
[4] Deserto na Arábia Saudita registra neve pela primeira vez; veja fotos. CNN Brasil, 2024. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/deserto-na-arabia-saudita-registra-neve-pela-primeira-vez-veja-fotos/.
[5] Granizo deixa deserto na Arábia Saudita com aparência de neve. Canaltech, 2024. Disponível em: https://canaltech.com.br/ciencia/granizo-deixa-deserto-na-arabia-saudita-com-aparencia-de-neve/.
[6] Rios se formam no Saara após tempestades raras. Terra, 2024. Disponível em: https://www.terra.com.br/planeta/noticias/rios-se-formam-no-saara-apos-tempestades-raras,49ee9f23967192984a10ebd806412d12kgjbspms.html#:~:text=O%20Saara%20é%20considerado%20um,vista%20há%20décadas%20na%20região.
[7] Chuva no deserto: entenda por que Saara pode ter volumes 5 vezes acima da média nos próximos dias. G1, 2024. Disponível em: https://g1.globo.com/meio-ambiente/noticia/2024/08/30/chuva-no-deserto-entenda-por-que-saara-pode-ter-volumes-5-vezes-acima-da-media-nos-proximos-dias.ghtml.
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