Nos últimos 3 anos, o medicamento injetável “Ozempic” ganhou popularidade na mídia. Impulsionado pelos atores de Hollywood e sendo febre nas redes sociais, ele despertou a atenção de milhões de pessoas obesas ou com sobrepeso como uma forma fácil e rápida — se comparada a outros métodos — para emagrecer. As vendas mundiais em 2022 superaram seis bilhões de dólares, sendo o medicamento mais vendido no ano. Entretanto, muitas pessoas utilizam-o sem prescrição médica e sem saber para quê realmente ele é fabricado e como ele funciona, banalizando o uso da fórmula e colocando suas saúdes em risco.
Desenvolvido por farmacêuticos e por cientistas da empresa farmacêutica dinamarquesa Novo Nordisk, o medicamento foi elaborado na intenção de ajudar pessoas com diabetes tipo 2 a controlarem melhor seu nível de glicose no sangue. Seu princípio ativo é o hormônio intestinal Semaglutida, análogo a outro hormônio intestinal, o GLP-1. O hormônio age no hipotálamo, localizado no cérebro, diminuindo o apetite e consequentemente aumentando a saciedade. Também age no fígado, reduzindo a produção de glicose e estimulando a de insulina no pâncreas, ainda que não seja um substituto na aplicação complementar de insulina injetável, caso necessário.
(figura 1: aplicação de Ozempic em um ser humano)
De acordo com o presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), Paulo Miranda, o efeito redutor de apetite causado pela Semaglutida é capaz de promover, em um ano, a perda de 17% do peso corporal inicial. Todavia, o medicamento não deve ser prescrito para todos que desejam perder peso. O especialista afirma que há indicação para pacientes com índice de massa corporal (IMC) acima de 30 ou, se houver comorbidades, acima de 27. Ademais, o medicamento é contraindicado para grávidas, lactantes, menores de 18 anos, pessoas com diabetes tipo 1, pessoas com insuficiência renal e hepática, dentre outros casos.
Os efeitos colaterais do remédio são diversos. De modo geral, é mais comum a presença de sintomas gástricos, como diarreias, náuseas, vômitos, constipação, refluxo e gases. Se a aplicação não for acompanhada por um médico, o uso incorreto pode levar à desidratação, convulsões e perda da massa muscular, o que, consequentemente, pode provocar um efeito chamado: “Ozempic face”, ou seja, “Rosto de Ozempic” (em tradução livre). Trata-se, basicamente, de um aspecto flácido da face devido a rápida perda de peso, de colágeno e da proteína estrutural elastina.
Por mais que no Brasil o Ozempic seja vendido sem a necessidade de receita médica, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não autoriza nem recomenda a sua utilização por pacientes que não têm diabetes e que cujo objetivo é apenas o emagrecimento estético. Contudo, outro fármaco da mesma empresa foi liberado para esta finalidade: o Wegovy, que detém o mesmo princípio ativo e acompanha testes comprovando sua eficácia. A diferença entre os dois está na dosagem: o Ozempic é encontrado na dosagem de até 1mg de Semaglutida, enquanto o Wegovy é fabricado na dosagem de até 2,4mg de Semaglutida. Quanto maior a dose, maior o efeito na perda de peso.
Além disso, redes de “fast food” e de academias já observam o impacto que o medicamento vem gerando em ambos os setores. Tal impacto é denominado “Efeito Ozempic” e define as mudanças no setor de comércio e serviços provocadas pelo aumento na consumação de Ozempic. Será preciso um readequamento de produtos à venda para superar uma possível crise econômica destes setores, visto que, com a medicação, parte da população desembolsa menos dinheiro com alimentos e mais com artigos “fitness”. A exemplo, as vendas do Walmart nos Estados Unidos já apresentaram queda significativa, assim como as ações das marcas de chocolate Lindt e Nestlé.
O sucesso do remédio foi tão expressivo que a Novo Nordisk tornou-se a empresa mais valiosa da Europa, superando a empresa de grife Louis Vuitton (LVMH). No entanto, a matriz capitalista de lucratividade e a popularização do produto induzem a criação de falsificações, processo que impactou fortemente o Ozempic. A empresa dinamarquesa já detectou a presença de injeções pirateadas em 16 países e mantém contato com diversos representantes das nações globais para sanar e evitar danos de saúde causados por esse problema.
(figura 2: foto com uma caneta injetável “fake”, demonstrando as falsificações do remédio)
De acordo com o Serviço Austríaco de Inteligência Criminal (BK), vários cidadãos na Áustria deram entrada em hospitais após receberem as seringas com Semaglutida de um médico residente no país, relatando sintomas como baixo nível de glicose no sangue e convulsões. Além disso, o Reino Unido constatou que canetas injetáveis falsificadas advindas da Áustria e da Alemanha foram identificadas em estoques atacadistas do país e já alertou a população e as autoridades necessárias. Neste caso, pelo menos, nenhuma caneta foi fornecida a um cidadão.
Até o momento da publicação deste artigo, o caso mais grave da injeção vitimou uma mulher australiana de 56 anos, que começou a tomar Ozempic para emagrecer antes do casamento da filha. Trish Webster chegou a perder 16 kg, porém, adquiriu com o fármaco doenças gastrointestinais severas que causaram náuseas, vômitos e diarreias frequentes. Diante do grave efeito colateral do remédio, Trish adoeceu e não conseguiu chegar viva à data do casamento da filha.
Diante desse cenário, nota-se a necessidade de cuidado com muitos aspectos relacionados ao medicamento. Pode ser fatal a falta de precaução, de atenção e de pesquisa provocada pelo desespero súbito em perder peso e em seguir padrões sociais. A influência que a internet induz sobre uma pessoa pode levá-la a tomar o “remédio milagroso” sem acompanhamento de um médico e, consequentemente, ter graves efeitos colaterais, podendo chegar até mesmo ao óbito. A procedência dos injetáveis é outro fator a ter que se preocupar ao adquiri-los, devido a insuficiente fiscalização dos governos. Um fármaco que pode concretizar o sonho de milhões de pessoas obesas ou com sobrepeso no mundo, também tem o poder de matá-las, sem mais nem menos.
Referências Bibliográficas:
[1] Terra: Endocrinologista explica a diferença entre Ozempic e Wegovy. https://www.terra.com.br/vida-e-estilo/saude/endocrinologista-explica-a-diferenca-entre-ozempic-e-wegovy,212a6b03822b88b897a7c23780366368goaetgfa.html
[2] BBC: Ozempic: os desafios que sucesso de remédio para emagrecer trouxe para sua fabricante. https://www.bbc.com/portuguese/articles/ce4dzd28yqpo
[3] BBC: Ozempic: o que acontece quando se para de tomar medicamento? https://www.bbc.com/portuguese/articles/cd1k1n4gpwzo
[4] Portal Drauzio Varella: “Rosto de Ozempic” é um dos efeitos colaterais da semaglutida. https://drauziovarella.uol.com.br/medicamentos/rosto-de-ozempic-e-um-dos-efeitos-colaterais-da-semaglutida/
[5] The News: 12/10/2023. https://thenewscc.beehiiv.com/p/12102023
[6] Bloomberg Línea Brasil: Fabricante do Ozempic se torna empresa mais valiosa da Europa e ultrapassa LVMH. https://www.bloomberglinea.com.br/mercados/fabricante-do-ozempic-se-torna-empresa-mais-valiosa-da-europa-e-ultrapassa-lvmh/
[7] O Globo: Mulher morre na Austrália após tomar Ozempic para emagrecer antes do casamento da filha. https://oglobo.globo.com/saude/noticia/2023/11/07/mulher-morre-na-australia-apos-tomar-ozempic-para-emagrecer-antes-do-casamento-da-filha.ghtml