A Tabela Periódica consiste num modelo responsável por agrupar todos os 118 elementos químicos atualmente conhecidos e sintetizados no passado em ordem crescente de número atômico. Incorporando contribuições de uma série de cientistas, sua criação reside no trabalho do russo Dmitri Mendeleev, que após diversas tentativas de agrupamentos dos elementos químicos conhecidos na época, propôs a organização que levaria à primeira versão da Tabela Periódica. Antes, Mendeleev pensava em distribuir os elementos a partir de conceitos como, por exemplo, a Lei das Oitavas de Newland, o Parafuso Telúrico de Chancourtois e as Leis das Tríades de Döbereiner. Depois, porém, propôs uma organização periódica conforme a massa atômica, em 1869. Com a passagem do tempo e mudanças feitas por outros estudiosos, incluindo uma reorganização de Henry Moseley (1887–1915) conforme o número atômico e proposta da adição da série de actinídeos por Glenn Seaborg (1912–1999), a tabela periódica conhecida e utilizada na contemporaneidade chegou a uma configuração final, mas não sem contar com recorrentes adições de elementos sintetizados pelo ser humano.
Figura 1 - Tabela Periódica (04 de maio de 2022), IUPAC.
Afinal, dentre os elementos representados acima, até setembro de 2024, há cerca de 26 elementos produzidos artificialmente, incluindo todos os transurânicos (elementos de número atômico maior que o do urânio, de 92 prótons) contendo casos como aqueles do plutônio (Pu) e do netúnio (Np), cujas ocorrências naturais só viriam a ser identificadas posteriormente à síntese artificial.
Em meio a esse panorama, no Laboratório Nacional de Lawrence Berkeley, localizado dentro da renomada Universidade da Califórnia, Berkeley, atualmente estuda-se a produção do elemento de número atômico (Z) 120 a partir de um choque de átomos ou de íons de titânio (Ti) contra uma espécie química de califórnio (Cf). Assim, seria gerado o elemento icônico de 120 prótons, atualmente designado como “unbinilium” (em português, unbinílio).
Nomenclatura de antigos e novos elementos químicos
Essa nomenclatura inicial provém de uma recomendação da União Internacional de Química Pura e Aplicada (IUPAC) para nomear os elementos químicos com número atômico superior a 100, incluindo aqueles ainda não descobertos, a partir das seguintes letras atribuídas aos dígitos de 1 a 9:
Figura 2 - regras de nomenclatura associadas aos elementos com Z > 100, IUPAC.
Assim, o “unbinilium” apresenta os conjuntos “un”, “bi” e “nil” referentes aos números “1”, “2” e “0”, respectivamente, além da terminação “ium” que como princípio é atribuída a esses nomes conforme o regulamento da organização. Seu símbolo é Ubn dada a instrução dessa nomenclatura apresentar as três letras iniciais das primeiras raízes numéricas (Unbinilium).
É relevante ressaltar também que outros nomes com seus respectivos símbolos, dessa vez de duas letras, podem e costumam ser atribuídos posteriormente à descoberta dos elementos caso a proposta de nomenclatura seja aprovada seguindo uma série de critérios. Dentre eles, pode-se citar, sucintamente, a referência a um: conceito ou personagem mitológico, mineral, local, propriedade do elemento ou cientista. Afinal, primeiramente o laboratório responsável pela descoberta propõe uma designação que passará por uma série de avaliações, incluindo diversas áreas da IUPAC até o Presidente da Divisão de Química Inorgânica encaminhar o nome do elemento ao Conselho da IUPAC.
No caso, tal procedimento é necessário a fim de regulamentar uma nomeação universal dos elementos descobertos, assegurando os mesmos termos utilizados em diferentes regiões e o mais semelhante possível em línguas diferentes, além de resolver possíveis conflitos de dois ou mais nomes propostos e utilizados. O rutherfórdio (Rf), por exemplo, homenageia o cientista neozelandês Ernest Rutherford (1871–1937). Entretanto, além do Laboratório Nacional de Lawrence Berkeley, no qual a espécie química foi sintetizada e de onde surgiu o nome, outro termo também havia sido proposto pelos soviéticos. Durante a bipolarização da Guerra Fria, os opositores dos americanos designaram o Kurchatóvio (Ku) em honra a Igor Kurchatov (1903–1960), membro de destaque do departamento de pesquisa nuclear da União das Repúblicas Socialistas e Soviéticas (URSS). Eles alegavam pioneirismo na descoberta do elemento e, portanto, reivindicavam o direito de nomeação. Assim, somente com a intervenção da IUPAC, o termo rutherfórdio foi consolidado e utilizado na Tabela Periódica ao redor do globo, resolvendo a questão.
Finalmente, é imprescindível atentar-se à tradução dos nomes dos elementos químicos do inglês estabelecido pela IUPAC para o português, seguindo as regras do Vocabulário Ortográfico e da nomenclatura de química inorgânica. Dentre essas, estão: substituição das terminações “ium” por “io” (rutherfordium - rutherfórdio; sodium - sódio; unbinilium - unbinílio), “y” por “i” (ytrium - ítrio), “w” por “u” ou “v” (lawrencium - laurêncio), “k” antes de “e” e “i” por “qu” (nickel - níquel; berkelium - berquélio) etc. Ainda assim, há exceções como nomes já enraizados na língua portuguesa, a exemplo do enxofre (sulfur), prata (silver) e ouro (gold). Nisso, todos os símbolos propostos inicialmente em inglês são mantidos, de modo aos elementos rutherfódio, sódio, ítrio, laurêncio, níquel e berquélio, independentemente do nome atribuído nos diferentes idiomas do mundo, serem referenciados como Rf, Na, Y, Lr, Ni e Bk, respectivamente.
Figura 3 - Tabela Periódica em português, Wikipedia
Síntese de novos elementos químicos
Conforme discutido por Eric Scerri em seu livro “The Periodic Table: Its History and Its Significance” (“A Tabela Periódica: Sua História e Sua Importância”, em português), a busca por novos elementos químicos é uma importante questão da química contemporânea. Ela traz à tona discussões pertinentes, inclusive a natureza das espécies químicas e uma reflexão acerca do passado de descobertas.
Historicamente, em 1789, a descoberta do urânio — elemento mais pesado da tabela periódica que havia sido encontrado na natureza — representou um marco na discussão acerca da existência de elementos com número atômico maior que 92. Afinal, enquanto muitos químicos consideraram que o limite da Tabela Periódica estava estabelecido, outros constestaram essa posição e até alegaram, com base em seus próprios estudos, a existência de elementos extremamente massivos, incluindo um gás nobre com 460 prótons. O próprio limite da tabela periódica estava em discussão, e foi determinado em momentos diferentes pelos físicos Niels Bohr (1885–1962) e Arnold Summerfield (1868–1961). A conclusão foi no número atômico 137, valor ainda considerado uma estimativa aproximada atualmente.
Enfim, o marco inicial dos experimentos destinados à síntese de novos elementos está na primeira transmutação, processo de conversão de um elemento químico inicial em outro diferente, realizada por Rutherford e alguns colegas em 1919. Na ocasião, um átomo de oxigênio foi gerado por partículas alfa bombardeadas rumo a um núcleo de nitrogênio. Subsequentemente, mais pesquisas foram realizadas e, involuntariamente, descobriu-se o princípio fundamental das bombas atômicas: a fissão nuclear. Posteriormente, a almejada produção do elemento de Z = 93 foi alcançada. Em Berkeley, no ano de 1939, McMillan e colegas sintetizaram o netúnio (Np, Z = 93), cujo nome se pauta justamente na posição posterior ao urânio (U) na Tabela Periódica, em referência à sequência dos planetas Urano e Netuno no Sistema Solar. A síntese só foi possível graças ao advento do ciclotron, capaz de acelerar partículas a altas velocidades, em 1929-1930 por Ernest Lawrence, fundador do Laboratório Nacional de Lawrence Berkeley, no qual busca-se a produção de Unbinilium na atualidade.
Em meio a um cenário posterior de inúmeras descobertas graças aos esforços de diversos estudiosos e de várias inovações tecnológicas, é imprescindível ressaltar o papel da Universidade da Califórnia em Berkeley, cujos estudantes fizeram história ao produzir vários dos subsequentes elementos químicos, a exemplo do berquélio (Bk, Z = 97) e do seabórgio (Sg, Z = 106), embora esse último, assim como outros, também foi alvo de disputa com a URSS. Neste caso, o Instituto Central de Investigações Nucleares (JINR) em Dubna, na Rússia, encontrou o elemento concomitantemente aos estadunidenses em Berkeley, mas o nome acabou referenciando os últimos. Todos os átomos inéditos eram designados como fruto do trabalho de apenas grupos americanos e soviéticos até 1976, quando o crédito foi dado ao grupo alemão do Instituto de Pesquisa de Ferro Pesado (Institute for Heavy Ion Research), ou GSI, localizado em Darmstadt. Lá, os cientistas bombardearam íons de cromo (Cr) acelerados em um átomo de bismuto (Bi) para obter o bóhrio (Bh, Z = 107).
Atualmente, as duas mais recentes adições na Tabela Periódica foram o tenesso (Ts, Z = 117) e o oganessônio (Og, Z = 118). O segundo apresenta 118 prótons e um tempo de meia vida menor que 1 milissegundo. Desse modo, levanta-se a questão: até que ponto pode-se dizer que esses elementos realmente existem? A própria captura de elétrons para balancear a carga do núcleo pós-bombeamento requer cerca de 10 fs (femtossegundos, ou 10-15 s), valor muito mínimo para que o núcleo gerado pela transmutação seja considerado um átomo.
Ainda, segundo cálculo do time liderado pelo químico neozelandês Peter Schwerdtfeger (1995–atualidade), os valores dos números atômicos chegarão a tal ponto que os núcleos não terão elétrons a eles associados e, em Z posteriores, os núcleos voltarão a ter elétrons e configurar um átomo. Seguindo o raciocínio, é de se esperar um vazio duradouro inédito na Tabela Periódica. Outras questões envolvem a conciliação entre a periodicidade dos novos elementos com a mecânica quântica e a relatividade, assuntos definitivamente mais complexos e ainda em pauta na modernidade, assim como a irrefreável busca por uma Tabela Periódica cada vez maior.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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[6] Scerri, Eric, The Periodic Table: Its Story and Its Significance (New York, 2019; online edn, Oxford Academic, 12 Nov. 2020), https://doi.org/10.1093/oso/9780190914363.001.0001.
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[8] American Chemical Society National Historic Chemical Landmarks. Discovery of Transuranium Elements at Berkeley Lab. Disponível em: <http://www.acs.org/content/acs/en/education/whatischemistry/landmarks/transuranium-elements-at-berkeley-lab.html>. Acesso em 22 Ago. 2024