Já imaginou que vivenciar o lazer tem o poder de não apenas entreter, como também trazer benefícios cognitivos? Com o advento de uma era digital, assim como a cultura gamer está cada vez mais presente na vida de diversas pessoas, interações sociais e momentos de lazer têm ocorrido, mais frequentemente, através de tecnologias digitais, principalmente por meio de jogos eletrônicos. Nesse sentido, é imprescindível compreender os mecanismos que envolvem esse comportamento frequente, os quais impactam psicologicamente as pessoas ao longo da vida delas.
Benefícios cognitivos
Pessoas que utilizam jogos eletrônicos com maior frequência costumam ser mais motivadas, criativas e mais abertas à novas oportunidades, bem como possuem um raciocínio mais rápido e memórias mais ativas, fato que é diretamente associado ao bem-estar e à felicidade, segundo a psicóloga Federica Pallavicini. Jogos eletrônicos possuem um sistema de recompensa baseado na produção de dopamina, neurotransmissor responsável por promover uma sensação de bem-estar e prazer.
Esse sistema aciona o gatilho que estimula o jogador a alcançar mais objetivos que, por consequência, aumenta a produção de dopamina conforme o indivíduo avança as fases. À medida que os usuários sobem de nível, vencem partidas ou ganham recompensas, esses acabam enfrentando novos desafios, o que não só fomenta o uso do raciocínio lógico para a resolução de problemas, como também instiga a capacidade humana de adaptação acerca de novos cenários, contribuindo significativamente para o crescimento, tanto pessoal como profissional.
Além disso, o uso de jogos eletrônicos pode auxiliar na integração social das pessoas através do entretenimento em conjunto dentro do universo virtual, o que se tornou muito comum durante a pandemia da covid-19, época de extremo isolamento social, até atualmente. Isso acontece porque se divertir em conjunto fortalece o vínculo entre os usuários, assim como colabora na realização de trabalho em equipe, aspecto fundamental para o ingresso e permanência em ambientes corporativos.
Tipos de jogos
Dependendo do tipo de jogo, os benefícios podem se diversificar, já que eles estimulam áreas distintas da nossa cognição. Jogos como Candy Crush, Cut the rope e Angry Birds são exemplos de jogos quebra-cabeça que constituem fases em que, conforme o jogador avança, novas habilidades podem ser requeridas para a obtenção de recompensas, estimulando a memória, manutenção do foco, além da análise lógica de sistemas por parte dos jogadores.
Jogos como Minecraft, The Sims e Terraria são clássicos que permitem os jogadores criarem uma narração e história próprias durante o jogo, enquanto a criatividade, manutenção de recursos e a independência são significativamente estimuladas através da exploração desses universos que, consequentemente, colaboram com um melhor desenvolvimento pessoal ao longo prazo.
Já Call of Duty, League of Legends e Counter Strike são modelos multiplayers, que são jogados com mais de um indivíduo, se concentrando, principalmente, no reflexo, assim como no planejamento estratégico dos jogadores durante as partidas. Isso influencia diretamente na coordenação motora dos olhos, pensamento rápido em situações de perigo, assim como a capacidade de adaptação dos usuários a novos contextos na realidade, acarretando a uma maior abertura à novas oportunidades, controle emocional e tomada de decisões.
Aplicações práticas
Jogos eletrônicos podem ser utilizados na melhora do bem-estar, liberando sensação de prazer através do encorajamento de sorriso. Publicado em 2018, um experimento realizado por cientistas da Universidade de Ritsumeikan, consistia em uma réplica ao “Angry Birds”, na qual os jogadores foram incentivados a sorrir através de uma plataforma online de detecção de expressões faciais, mas sorrisos em vista do objetivo proposto. Foram geradas imagens pixels em vez de modelos pré-estabelecidos, além de adotarem apenas pássaros pretos, os quais são utilizados para destruir outros, como blocos e porcos, de modo que a explosão varia de acordo com o valor de felicidade detectado.
Depois de finalizar o experimento, foram analisadas as pontuações obtidas pelos participantes.
Os resultados denotaram uma média de 30.18 para o efeito positivo e 19.39 para o negativo, mostrando o quanto o impacto positivo foi mais promissor do que o negativo, de modo que o positivo aumentou e o negativo diminuiu, mesmo com o número significativo de ambos. Isso prova que jogos eletrônicos podem trazer benefícios associados ao bem-estar, trazendo momentos de felicidade aos usuários.
Outro campo em que jogos eletrônicos têm exercido uma grande influência é no ramo corporativo. A Microsoft, por exemplo, têm investido na gamificação de tarefas através do “Language Quality Game”, em que os funcionários devem revisar a interface do Windows e checar a precisão e clareza da linguagem por meio da tradução do próprio idioma do empregado. Como objetivo, a empresa encorajou os trabalhadores a não só criar um ambiente mais divertido, como também promoveu um engajamento cívico enquanto os funcionários tornavam o produto melhor.
Considerando os dados acima, é notável que o “Language Quality Game” fez um grande sucesso no desempenho dos funcionários, mostrando-se como uma excelente ferramenta no aumento da eficiência e produtividade dos mesmos. Nas interfaces que houvesse maior consenso entre os trabalhadores, um relatório de defeitos seria criado; assim, aquelas que não tivessem grande consenso foram revisadas mais rapidamente, para que as de maiores falhas corrigíveis fossem consertadas com maior eficiência.
Um uso consciente
Embora os proveitos sejam muitos acerca do uso de jogos, os riscos podem se acentuar caso não haja uma intervenção perante a utilização. Uma das principais ameaças é a aquisição de um vício, em que há o uso desenfreado da tecnologia pelo desejo constante de obter recompensas e, consequentemente, satisfação, corroborando um possível desenvolvimento de depressão, por exemplo, uma vez que essa doença está relacionada ao preenchimento de um vazio não curado, devidamente.
Da mesma maneira, o sedentarismo também se apresenta como um malfeitor, consequente do uso inconsciente de jogos eletrônicos, visto que passar horas em frente a uma tela colabora não apenas para uma desconexão da realidade, como também coloca o indivíduo em um estado de inércia, fato que é extremamente prejudicial à saúde física e mental. O corpo necessita de 150 a 300 minutos de atividade moderada semanais para uma boa saúde, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) e privar-se de movimentos corporais acarreta na diminuição da qualidade de vida ao longo prazo, o que impacta diretamente na saúde mental de uma pessoa.
Assim, é imprescindível que providências sejam tomadas antes que ocorra danos maiores quanto ao uso de jogos eletrônicos. Conscientizar e estabelecer um controle do usufruto em grupos mais vulneráveis como deficientes e idosos é fundamental para manter uma boa qualidade de vida para sem prejudicar o lazer desses grupos, principalmente crianças, as quais são o futuro do desenvolvimento de uma nação.
Considerações finais
Em suma, jogos eletrônicos podem trazer inúmeros benefícios aos usuários, sendo um meio de sociabilidade e trazendo uma sensação de bem-estar e contribuindo para o desenvolvimento pessoal e profissional. Isso foi comprovado através de pesquisas científicas, realizadas na empresa Microsoft e na Universidade de Ristumeikan, mostrando que os jogos digitais são ferramentas efetivas quanto ao melhor desempenho do usuário em diversas áreas da vida. No entanto, é crucial que haja um controle diante da utilização desses meios, posto que o descontrole e o uso inconsciente pode ocasionar diversos efeitos como a obtenção de um vício, sedentarismo, fuga da realidade e até mesmo depressão.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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