O intestino é conhecido por especialistas na área de saúde como nosso segundo cérebro. Muito do que acontece dentro desse órgão tem um impacto direto não só na digestão, mas também em nossa saúde em geral. Ele serve de moradia para milhares de bactérias, que trabalham para manter nosso corpo em equilíbrio. Esse trabalho, entretanto, não se limita somente a elas, mas também à maneira como nós as tratamos. Comemos fibras suficientes? A quantidade de alimentos processados que consumimos é adequada? Esses e outros muitos fatores definem o que hoje a (bio)medicina chama de microbiota intestinal.
O que é a microbiota intestinal?
Trata-se do nome dado ao conjunto de mais de 100 trilhões microrganismos que residem no nosso intestino, como bactérias e fungos. A maioria desses micróbios vivem em simbiose com o organismo humano e desempenham atividades necessárias para nosso funcionamento. Elas estão separadas do nosso corpo a partir da barreira intestinal, predominantemente formada por muco.
O microbioma intestinal é diferente em cada pessoa. Pesquisas recentes indicam que esse habitat começa a ser povoado já na gestação. Nos primeiros meses após o nascimento do bebê, os fatores que mais influenciam e modelam a colonização de seu intestino são o tipo de parto, sua alimentação e sua higiene. Para exemplificar, pense no nascimento feito por parto vaginal. O primeiro contato da criança com o mundo externo é sua exposição à vagina da mãe, e é nesse momento que alguns de seus primeiros micróbios serão adquiridos. De forma geral, os principais fatores considerados significativos na formação e manutenção da microbiota intestinal são o meio, a idade, a genética, a higiene e a alimentação, sendo ela considerada um dos atores mais importantes.
Dentre suas funções, é possível citar o auxílio na absorção de nutrientes e medicamentos, a manutenção do sistema imunológico, a proteção contra microrganismos patogênicos, a síntese de vitaminas, a produção de neurotransmissores que atuam no sistema nervoso central e atuação no sistema endócrino.
Por tudo isso e mais, esse conjunto de microorganismos é um agente muito importante em nosso corpo. Cientistas estimam que 70% do nosso sistema imune se encontra no intestino. Disfunções nessa população podem ter impactos catastróficos em nossa saúde, como, por exemplo, deixar nosso corpo suscetível a doenças autoimunes e desregular nossa homeostase metabólica (capacidade do organismo de se manter em equilíbrio).
Qual é a influência da alimentação?
A alimentação é um dos fatores mais importantes na formação da nossa microbiota intestinal. Esses microrganismos não estão em nossos corpos somente para nos ajudar. Eles também exigem que nós os forneçamos nutrientes. De modo geral, seu principal alimento são as fibras. A quantidade recomendada de fibra diária, de acordo com nutricionistas, gira em torno de 25g a 35g.
Apesar disso, há uma tendência no mundo todo, especialmente em países mais industrializados, de não cumprir nem a metade dessa recomendação. A ingestão excessiva de alimentos altos em açúcar e carboidrato também pode acabar favorecendo bactérias prejudiciais que se alimentam dessa forma. Não por coincidência, estudos têm sido feitos que afirmam que em indivíduos que moram em sociedades mais tradicionais, como comunidades indígenas, por exemplo, a variedade de microrganismos na microbiota intestinal é significantemente maior. Ter essa diversidade é muito importante, pois, sem ela, o indivíduo fica mais vulnerável a ameaças externas, como possíveis patógenos.
Um grande perigo dessa falta de fibra se dá no fato de que esses microrganismos precisam se alimentar de alguma forma. Ou seja, na falta de fibras, eles podem atacar a barreira intestinal, causando danos ao cólon. Assim, um grupo que deveria ser aliado pode causar graves problemas para sua saúde ao deixar que bactérias prejudiciais consigam invadir a parede do cólon.
É preciso notar que essa discussão ainda está em desenvolvimento na ciência e que isso pode variar de uma pessoa para outra, mas, em geral, foram criadas estratégias para melhorar e manter a estabilidade dessa microbiota. Um método que tem recebido atenção recentemente tem sido a ingestão simultânea de alimentos probióticos e prebióticos.
Alimentos probióticos contém bactérias que podem ser benéficas a saúde intestinal. São esses os alimentos fermentados, por exemplo: Iogurte, kombucha, kefir, entre outros. Alimentos prebioticos são os que proporcionam a essas bactérias alimento e são normalmente alimentos altos em fibra, como vegetais, legumes e frutas. Esse tipo de alimentação pode ajudar a manter sua microbiota intestinal balanceada.
Saúde mental e o intestino
O cérebro e o intestino estão em constante comunicação e compartilham algumas características, como a regulação de humor e produção de hormônios e neurotransmissores. Como mencionado na primeira frase deste artigo: “O intestino é conhecido por especialistas na área de saúde como nosso segundo cérebro.” Esse fato pode ser melhor ilustrado pelo fato de que 95% da nossa serotonina (hormônio responsável pela regulação do sono, humor, apetite, memória, entre outros) é produzido e armazenado no intestino. Ademais, pesquisas recentes conectam nossa dieta e o status de nossa microbiota intestinal a condições como a depressão e ansiedade. Em nosso intestino, temos também a presença de um sistema nervoso que funciona independentemente do sistema nervoso central: o sistema nervoso entérico.
Logo, é possível afirmar que um desregulamento na nossa microbiota intestinal pode acarretar em consequências desastrosas não só em nossa saúde física, como também mental. Manter essa estabilidade garante que o indivíduo tenha um melhor sistema imune e que ele seja menos suscetível a doenças físicas e transtornos psicológicos. Claro que isso não garantirá imunidade absoluta a ninguém, mas auxilia nosso corpo no desenvolvimento de um mecanismo que sirva de barreira de proteção.
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