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A Sociedade do Cansaço e a Violência Neuronal: a positividade tóxica e a busca pela produtividade de alta performance


Figura 1


Na sociedade contemporânea, é cada vez mais comum encontrar publicações defendendo ou mostrando a “fórmula perfeita” para alcançar uma produtividade de alta performance. E quase que todas essas máximas defendem o mesmo princípio hegemônico: é preciso fazer mais, é preciso ser mais, é preciso agir até mesmo que inconscientemente para chegar a “ultra” produtividade. E sendo as redes sociais um espaço de fácil difusão de ideias, pensamentos e ideologias, as pessoas - e principalmente os mais jovens - tornam-se mais propensos a acreditar veemente no que  leem on-line, sem buscarem evidências da veracidade de tais afirmações. Por isso é fundamental dialogar sobre as consequências da positividade tóxica e da busca pela produtividade de alta performance. 


Na ótica filosófica, o livro “Sociedade do Cansaço” escrito pelo filósofo sul-coreano Byung-Chul Han surge exatamente para discutir temas como os descritos anteriormente e para analisar, sobretudo, o cansaço quase que “crònico” da humanidade na contemporaneidade. Na obra, o autor descreve como as ópticas modernas prezam e buscam pela exatidão, pela alta performance e por cada vez mais resultados, mesmo que isso signifique abrir mão da saúde física e mental. A principal tese defendida pelo intelectual é que as sociedades ocidentais não são mais baseadas na negatividade, ou seja, não são mais as sociedades disciplinares argumentadas por Foucault, em que se tinha muros, barreiras e dispositivos para “vigiar e punir”. A vida moderna agora é definida quase que de uma forma hegemônica pela positividade, mas não é uma positividade comum e nem tampouco trivial, essa é uma positividade extrema e de alto desempenho. 


É justamente nesse contexto que o autor cunha o termo “violência neuronal”, podendo esse ser definido como a violência do “empresário de si mesmo”, pois na constante busca pelo ser mais e pelo produzir mais, os indivíduos passam a aplicar sobre si mesmo a pressão e a culpa por não estarem fazendo o suficiente, por não estarem tendo resultados como o mercado espera e o sentimento de insuficiência apenas continua. Desse modo, a ultra positividade entra como um alavancador desse sentimento de insuficiência, porque essa não surge para lhe acalmar ou motivar, essa positividade pós-contemporânea aparece para dizer que você pode produzir mais, que talvez você não esteja se esforçando o suficiente, ou que você apenas não está se dedicando pelo tempo necessário. E essas afirmações continuam, essa busca por resultados considerados fenomenais - definida pela positividade da sociedade do desempenho - diz que é normal você trabalhar ou estudar dezesseis horas por dia, ou que é normal que você precise acordar às cinco da manhã e ir dormir às uma da madrugada por semanas para trabalhar naquele projeto. E todo esse ditado incessante da ultra positividade é centrado no mesmo argumento basilar: “tudo vai valer a pena no final”. Paralelamente, é de conhecimento público que para conquistarmos algo considerado grande é preciso nos dedicarmos e nos esforçamos, mas será mesmo que essa busca inacabável pelo “final que vai ser melhor” faz realmente sentido se no final acabarmos cansados, doentes e com burnout? É em questionamentos como este que a tese do autor está intrinsecamente fundamentada. 


Com isso, a crítica não é necessariamente contra buscar ser uma melhor versão de si mesmo ou buscar realizar os seus sonhos. A crítica está inerentemente relacionada com os nossos modos de produção, ou como é melhor definido pelo autor: no paradigma produtivo do capitalismo. Nesse sentido, não é um “outro” que me explora, sou eu que exploro a mim mesmo, sendo isso o que configura a violência neuronal. Na máquina da positividade tóxica e da alta produtividade, sou eu que cobro a mim mesmo, sou eu que culpo a mim mesmo por não ter resultados melhores ou por não estar produzindo a quantidade que seria considerada “adequada”. E todo esse maquinário de buscar por mais e produzir mais nos coloca em um “paradoxo social” legitimado pelo sistema neoliberal pós-contemporâneo. E isso acaba não sendo discutido e nem tampouco problematizado - pelo menos não de uma forma consciente - porque é algo que é considerado “normal” e tudo que é normatizado fica sobre a “cortina do esquecimento” da sociedade do desempenho. 

Figura 2


 

Com isso, uma das principais consequências da sociedade do cansaço e da violência neuronal é a Síndrome de Burnout, que é caracterizada pelo esgotamento físico, mental e psicológico, sendo resultado do estresse e do cansaço crônico do trabalho. No contexto Brasil, segundo um estudo internacional realizado pela International Stress Management Association (ISMA) o Brasil ocupa o segundo lugar no índice de países com maior números de diagnósticos de burnout, ficando atrás apenas do Japão com 70% de diagnósticos. Dados como esse apenas evidenciam como a sociedade contemporânea está cada vez mais doente e cansada, seja fisicamente, mentalmente e até socialmente. 


Portanto, criticar e problematizar conscientemente o sistema em que estamos, não significa que buscamos apenas escancarar problemas e apontar “culpados”. Significa que queremos trazer à tona problemas sistematicamente esquecidos e negligenciados para que possamos dialogar e trabalhar em torno de possibilidades de solução ou pelo menos de atenuação, já que problemas como esse são de difícil resolução por completo. Nessa mesma perspectiva, a crítica não é retida aos que buscam trabalhar e estudar em busca de seus sonhos e da possibilidade de ascensão social, na verdade, a crítica é centrada naqueles que buscam lucrar dessas pessoas, seja com palestras, cursos e formações - com valores exorbitantes - vendendo falsas falácias sobre a “necessidade” de ser produtivo a todo instante, pois um “concorrente onisciente” está possivelmente trabalhando mais que você.  


Dessa forma, dialogar conscientemente e criticamente sobre a sociedade do cansaço e a violência neuronal é essencial para que possamos avançar na busca por uma vida mais equilibrada, justa, e, sobretudo, uma vida com qualidade, em que nossa existência seja baseada no viver e não apenas no aparentar estar vivendo. 


    Figura 3 - Capa do livro “Sociedade do Cansaço” do filósofo Byung-Chul Han. Fonte: Editora Vozes.







REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


[1] HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Petrópolis: Editora Vozes, 2017. 


[2] FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão. Petrópolis: Editora Vozes, 1987. 


[3] CORBANEZI, Elton. Sociedade do Cansaço. São Paulo: Tempo Social, Revista de Sociologia da Usp, 2017. 


 

 


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